A imprevisibilidade do Surf
Já debatido em vários textos desta coluna sobre a segurança e as medidas preventivas que todos envolvidos no mundo do surfe precisam ter. Porém nunca discutimos a fundo os grandes motivos para essas preocupações. No primeiro texto de 2020 iremos dissertar sobre as imprevisibilidades da sua prática, do seu estilo e cultura.
Surfar, diferente de esportes como o futebol ou basquete, não dependemos somente de uma bola, ou um time e uma quadra para praticar. No surfe, ao sermos noticiado sobre um swell a caminho, todo um ritual é preparado.
Graças as inovações tecnológicas, com previsões antecipadas e precisas, é possível planejar melhor nossa “surf session”. Tamanho da onda, intervalo, temperatura, intensidade do vento além de muitas outras informações, colaboram para o preparo do equipamento e do estudo do local. Separamos a prancha, quilhas, leash, roupa e até a parafina mais adequada, e mesmo com toda essa previsibilidade, o surfe ainda é considerado um esporte imprevisível.
O preparo de uma queda se inicia desde da noite que antecede um grande swell. O nervosismo e ansiedade atrapalham a qualidade do sono do aventureiro e o descanso inapropriado interfere muito no rendimento. Ao acordar cedo, após o jejum noturno, o que seria ideal como alimentação? Um café da manhã reforçado para suprir toda a demanda energética de um dia intenso de onda ou uma alimentação leve para não “pesar” muito e gerar um desconforto gastrointestinal na água?
Chegando na praia, antes de cair na água, alongar? Aquecer? Como aquecer? Beber água?
No trajeto, situações como a do campeão mundial, Adriano de Sousa, de entorse do joelho com lesão ligamentar, podem acontecer sem mesmo ter pego uma onda sequer.
No momento em que entra na água, o risco do afogamento é presente, mesmo o surfista sendo um ótimo nadador e ter um objeto flutuante preso a ele, situações trágicas como um trauma seguido de afogamento ou a de um “mal súbito” de origem cardiopulmonar, podem levar a um desfecho desfavorável, como por exemplo a do top surfista Leo Neves.
A interação homem natureza que abrilhanta o esporte, pode ser considerado o fator mais expressivo nesse conceito. O ambiente aquático marinho, pode “pegar” o surfista de surpresa. Além de causar doenças já bem conhecidas como as dermatites, otites, micoses, também pode ser responsável por patologias como as infecções gastrointestinais após a ingesta da água contaminada, queimaduras por cnidários ou o até um ataque por tubarões.
Na maioria das vezes, os eventos traumáticos são considerados imprevisíveis. O que mais chama atenção no surfe é o extenso espectro de lesões causadas por trauma, variam desde o choque direto contra a prancha, lesões ligamentares complexas na execução de uma manobra, até amputação de um dedo causada por estrangulamento do leash.
Como em todos os esportes, uma avaliação médica (pré participação) para praticantes profissionais e/ou > 35-40 anos é recomendada, principalmente para aqueles que andam com o check up desatualizados ou possuem alguma doença de base que possa intervir na atividade.
No caso do surfe, realizar um preparo físico complementar, exercitando tanto a parte cardiopulmonar e fortalecimento do CORE como estímulos musculares explosivos, auxilia muito o aproveitamento no esporte. Controlar o peso corporal e manter o alongamento de tronco e membros, protegerá o surfista de diversas lesões.
Não se esqueça de hidratar e repor o gasto energético. O surfe, talvez seja um dos únicos esportes, no qual a reposição desses, não é realizada durante a prática. O surfista muitas vezes fica no mar por 2, 3 horas, e não ingere um gole de água potável. Situações de desidratação e hipoglicemia são muito frequentes e predispões a muitos danos.
Diversos dispositivos tecnológicos, atualmente, auxiliam no cuidado à saúde. É possível, através de GPS, verificar a distância percorrida, número de ondas, velocidade alcançada e tempo de prática. O app SID (surfinjurydata) lançado recentemente, conta com a colaboração da comunidade do surfe de forma coletiva e global. Através do “report” dado pelos surfistas usuários nas mais diversas localizações do mundo, é possível “prever” o tipo de lesão mais frequente por região. Dessa forma, mesmo sem conhecer o pico, o surfista já terá informações do local.
As piscinas de ondas, mesmo que produzam ondas exatamente idênticas, também traz surpresas. A qualidade da água e a prevenção a traumas e afogamentos precisa ter atenção especial das empresas responsáveis.
Para praticar da forma mais saudável, visite seu médico e busque orientações das mais diversas naturezas.
O surfe não é somente mais um esporte. Ele é uma experiência surpreendente a cada momento que praticamos, pensamos e até consumimos. Surfe e mantenha se mais vivo e saudável!
Ótimo 2020 a todos!
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